domingo, 30 de maio de 2010

002-Aprendizagem da Medicina

"Propedêutica" é "iniciação dos jovens", é pedagogia, "condução dos jovens", é “paideia”, “aventura do ensino formador”. No caso da Medicina, é o ritual de iniciação que conduz um pretendente até que seja reconhecido como membro, colega de um grupo devotado à condição humana, em qualquer de suas apresentações.
Como Aristóteles ensinou a seu próprio filho, Nicômacos, as coisas que devemos aprender antes de fazer só são aprendidas verdadeiramente fazendo. Não se aprende a nadar fora da piscina ou do mar, da mesma forma que não se aprende Medicina sem pacientes.
A Filosofia nasce do espanto que afeta um ser tornado consciente, e a Medicina só desabrocha dentro da Filosofia. A Filosofia é, portanto, nosso ponto de partida para a afirmação de que o Médico e o Filósofo são irmãos. Para isso, cito a querida professora Marilena de Souza Chauí, com quem tive o privilégio de estudar: “A uma forma nova e inusitada de pensar, os gregos deram o nome de Filosofia. Essa palavra, atribuída a Pitágoras de Samos, é composta de filo (vinda de philia, amizade) e sofia (sophia, sabedoria), philosophia: amizade pela sabedoria, amor ao saber. Pitágoras de Samos teria dito ser a sabedoria plena privilégio dos deuses, cabendo aos homens apenas desejá-la, amá-la, ser seus amantes ou seus amigos, isto é, filósofos (sophós, sábio). Na verdade, a palavra sophia carrega uma ambivalência que se tornará bastante perceptível no decorrer da história da philosophia, pois tanto pode significar o saber, entendido como conjunto sistemático e racional de conhecimentos sobre o mundo e os homens (e sophós é aquele que conhece verdadeiramente a realidade), como pode significar sabedoria, entendida como disposição humana para uma vida virtuosa e feliz (e sophós é aquele que sabe bem conduzir sua vida ou praticar o bem). A grandeza dos filósofos antigos (ou dos inventores da filosofia) esteve, como veremos, em reunir esses dois sentidos e estabelecer uma articulação interna necessária entre ambos, concebendo o saber como condição da sabedoria e a sabedoria como forma superior do saber." (Chauí, Marilena in Introdução à história da filosofia, volume I, pá-ginas 15 e 16, Companhia das Letras, 2002)
Da mesma forma que uma pessoa formada na Faculdade de Filosofia é bacharel em Filosofia, mas não necessariamente Filósofa, uma pessoa formada na Faculdade de Medicina pode ser bacharel em Medicina, mas não necessariamente Médica. Apenas a coexistência desse "conjunto sistemático e racional de conhecimentos sobre o mundo e os homens" e dessa "disposição humana para uma vida virtuosa e feliz" transformará a ambos em Filósofos, dignos de seus objetivos.

001-Diagnóstico, dos sinais à convicção

No grego antigo, gignèscw (“gnósco”) era um verbo usado para evocar a ideia de “aprender a conhecer, reconhecer, julgar, pensar, decidir, resolver”. Desse verbo, outro derivado era dia-gignèscw (“dia-gnósco”) usado para as condições nas quais essa seqüência de reconhecimento, juízo e decisão (essa formação de convencimento por parte do investigador) se dá predominantemente de maneira indutiva e pela exclusão sucessiva de hipóteses rejeitadas pelas evidências. Todo seu campo semântico vai na mesma direção: gnèmh (“gnóme”) significa “juízo, talento, inteligência, opinião, parecer, desígnio, projeto, resolução”; gnèmen (“gnómen”) significa “aquele que conhece e interpreta os oráculos, árbitro”; gnèsij (“gnósis”) significa “conhecimento, noção, ação de reconhecer, investigação, decreto, decisão”.

Mesmo esta breve exploração semântica do termo “diagnóstico” nos permite ver que se refere a um conhecimento aprendido, um certo talento de reconhecer situações complexas como um oráculo, levado a cabo pela indução e pela rejeição sucessiva de hipóteses desacordes com a evidência, culminando não em qualquer tipo de certeza lógica inapelável, mas num juízo, numa opinião, num parecer, que fundamenta resoluções, decisões.

Esta apaixonante aventura do diagnóstico, diferenciando entre os vários modos pelos quais os fenômenos podem manifestar-se nos pacientes, é exercida por um método: a busca dos sinais (shmeion em grego, “sêmion”) e de seus significados, a semiologia, que será o tema deste blog.